Deixem-se surpreender por Deus: esperem dele algo novo e não o óbvio
Por Délnia Bastos
Série “Os 60+ do Primeiro Natal”
Gostaria de começar dizendo que tudo o que vou dizer aqui é verdade. E nada que direi será para meu engrandecimento – até porque os irmãos vão conhecer também as minhas falhas.
Sou um pastor, ou melhor, sacerdote do povo. Sou casado com a Isabel. Nós dois somos de ascendência sacerdotal como a nossa lei ordena; ou seja, somos filhos, netos e bisnetos de pastores.
Isabel e eu não tínhamos filhos. Para nossa tristeza, o fim da nossa linhagem parecia próximo, ainda que havíamos orado por um filho por muitos anos. Contudo, estávamos numa idade em que isso já não era mais possível.
Não ter filhos por aqui é impiedoso. É geralmente interpretado como um sinal de desprezo por parte de Deus: “Um homem vive nos seus descendentes”, dizem. Morrer sem filhos significa “ser apagado de nosso país”. Coitada da Isabel! O pior sobrava pra ela, que ouvia comentários de todo tipo. Por exemplo: “Como pode uma filha e esposa de sacerdote sem filhos? O que será que ela fez para merecer isso?”.
Mas Deus é tão bom, que, inexplicavelmente, tanto ela quanto eu não nos tornamos amargurados, revoltados ou entristecidos por causa disso. As pessoas até dizem que somos justos e bondosos. Realmente, durante toda a nossa vida, temos procurado seguir à risca os mandamentos de Deus. E isso com alegria, não por obrigação. Cremos que somos mais felizes e realizados assim, seguindo os preceitos de Deus.
Pois bem. Certa vez, fui sorteado para entrar no santuário do templo para queimar o incenso ao Senhor. Que privilégio! Esta honra é concedida apenas uma vez na vida – quando é concedida. Ao entrar ali, no Lugar Santo, algo incrível aconteceu. Um anjo apareceu no lugar de maior honra, à direita do altar. Por essa eu não esperava! Eu sabia que a última comunicação direta de Deus conosco tinha acontecido há 400 anos. Senti um misto de medo e reverência, um profundo terror misturado a uma irresistível atração pelo que estava acontecendo. Não sabia como me comportar, até que o anjo começou a falar comigo: “Não tenha medo, sua oração foi ouvida. Isabel dará à luz um filho e seu nome será João”. Fiquei mais perplexo ainda! Eu não estava ali por mim, mas por toda uma multidão que eu sabia representar, que até me aguardava lá fora. Eu estava ali adorando o nosso grande Deus, aguardando a promessa messiânica e não podia esperar por uma palavra diretamente para mim. E a coisa não parou por aí: o anjo disse que o filho teria uma missão especial; seu nome significaria “o dom de Deus” ou “Deus é bom”. Ele seria alguém separado por Deus, cheio do Espírito desde o ventre materno! Nossos profetas, até aqui, podiam ter um momento de enchimento do Espírito, mas nenhum deles havia experimentado ser cheio desde o ventre, de maneira permanente. O que era isso que estava acontecendo comigo?! Minha cabeça e meu coração não aguentaram tanta maravilha. Eu não tinha fé suficiente para acreditar no que o anjo dizia. Deixo aqui esta confissão: faltou-me fé. E isso me custou caro. O anjo foi meio bravo comigo, explicou que ele era Gabriel, cujo significado do nome eu conhecia muito bem: “Deus mostrou a si mesmo como é poderoso”. O mesmo Gabriel havia aparecido ao grande profeta Daniel muito tempo atrás. Ele disse que eu ficaria mudo até tudo se cumprir, o que de fato aconteceu.
Eu tinha tanta coisa pra contar, mas não podia. Eu recebi notícias maravilhosas, mas não conseguia transmiti-las. Foi uma disciplina e tanto de Deus para comigo. Eu precisava crescer na fé.
Enfim, nove meses depois, nosso Joãozinho nasceu. No oitavo dia, quando o levamos para ser circuncidado, conforme nosso costume, o povo reunido não queria aceitar a palavra de Isabel, que queria dar o nome de João ao menino. O óbvio era que a criança recebesse o meu nome, do pai, especialmente sendo filho único de pais idosos. Então me perguntaram e eu escrevi numa tabuinha: “João é o seu nome”, concordando com Isabel. Naquele instante, minha fala voltou e fiquei, literalmente, com a língua solta. Não conseguia parar de louvar. Finalmente eu podia expressar toda a minha alegria, exultação, gratidão e louvor a Deus. Foi ali, quando fiquei cheio do Espírito Santo, que saiu o Benedictus, que se tornaria um cântico conhecido de geração em geração.
Enquanto pronunciava aquelas palavras, tive mais discernimento e certeza da majestade e perfeição dos planos de Deus: enquanto orávamos pela vinda do Messias, Ele atendeu a oração particular de um velho sacerdote, e respondeu duplamente: enviou o precursor do Messias e nos agraciou com um filho. João foi nosso filho querido e também o profeta do Altíssimo, o maior entre os nascidos de mulher, diria Jesus anos mais tarde.
Assim, meus irmãos, eu os incentivo a cuidarem de si mesmos e de sua fé, que Deus cuidará de cada um de vocês. Procurem viver de forma justa e irrepreensível. Sejam bondosos para com todos, especialmente para com os mais fracos. Coloquem suas necessidades mais íntimas diante do nosso Deus bondoso. Sejam sempre alegres, mesmo nas circunstâncias difíceis, pois a nossa alegria está na certeza da presença de Deus e nas suas promessas. Arrependam-se quando forem disciplinados por Deus. Deixem-se encher do Espírito Santo, cresçam no conhecimento das Escrituras e, a partir daí, desenvolvam o discernimento. Por fim, não se cansem de falar das grandezas de Deus. Nós, os 60+, temos experiência, maturidade e dons confirmados para falar a todos das grandezas de Deus.
Não nos calemos nem deixemos de ser agentes da História da redenção, pois não há limite de idade para os feitos grandiosos do nosso Deus.
Délnia Bastos é casada, mãe de três filhos e avó de cinco netos, e serve na área de governança em algumas iniciativas de missão.
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