Lutar pelos sonhos é possível após os 60. Sempre pela bondade do Senhor

Com certeza, na história de minha vida há batalhas que ora ganhei, ora perdi. E sei que seguirá assim. No entanto, posso dizer como o profeta Samuel: “Até aqui nos ajudou o Senhor!”

Por Xênia Marques Lança de Q. Casséte

Nasci em 1959, por isso faço parte da “Geração Baby Boomers” – nome que faz referência ao aumento de nascimentos após a Segunda Guerra Mundial. De fato, meus pais se casaram em 1955 e já em 1957 tiveram o primeiro dos cinco filhos. Eu sou a segunda. Me identifico com algumas das características observadas na “Geração Baby Boomers” como por exemplo: priorizar a estabilidade, dar valor ao casamento, à compra de um carro, ter uma casa própria, fazer um curso superior e frequentemente ter medo da inovação. E por me identificar de fato, olhando para trás e para o presente vejo que caminhei até aqui conquistando sonhos por meio das lutas, somente pela bondade do Senhor.

Meus pais que pertenceram à chamada “Geração Silenciosa” – os que arcaram com as consequências da Grande Depressão e da Segunda Guerra Mundial e sofreram muitos traumas e dificuldades financeiras (o que ocorreu também nos países da América do Sul). Por isso, Amaro e Olga, meus queridos pais que já estão com o Senhor, eram reservados, românticos, mas com os pés no chão; aprenderam francês e latim na escola e conseguiam ler, escrever e até falar um pouco, especialmente meu pai. Gostavam de futebol e do rádio, onde ouviam notícias, músicas e até radionovelas. Iam ao cinema para ver as grandes produções das décadas de 50 e 60 e liam muito. Também se preocupavam com a própria educação – todas as sextas-feiras viajavam sessenta quilômetros para fazer os cursos de história e de pedagogia em uma cidade onde havia uma faculdade – e com a educação dos seus filhos. Para isso, se esforçaram muito para comprar uma casa em Belo Horizonte (BH), com o objetivo oferecer aos filhos a oportunidade de fazer um curso superior na capital.

Foi assim que, quando adolescente, vim estudar em BH. Depois de tentar três vestibulares, passei na PUC-Minas para o curso de comunicação social e recebi primeiro o diploma de bacharel em relações públicas (RP). Na época, a convite do pastor Manfred Grellert, tive o privilégio de trabalhar na ONG Visão Mundial (VM), cuja sede era na capital mineira. Trabalhei com a equipe de comunicação social da VM e foi lá que decidi voltar à faculdade para fazer jornalismo.

Conheci meu marido, Muryllo (Mury), e nos casamos no mesmo ano em que me formei na faculdade.  Desde então compartilhamos alguns pensamento e sonhos iguais. O amor a Deus, o amor à família, o amor ao próximo, à justiça e à paz. Passamos nossa infância e adolescência dentro de um regime de ditadura militar no Brasil que durou 21 anos.

Isso deixou uma marca em nossas vidas como na de todos os que viveram a situação. Por isso, fizemos questão de, recém-casados, irmos juntos às ruas de nossa cidade para engrossar o grito pelas “Diretas Já”, um movimento político com grande apoio da sociedade entre os anos de 1983 e 1984, que pedia por eleições diretas no Brasil em 1985. Infelizmente, o imenso apoio popular à Emenda Dante de Oliveira não foi suficiente para a sua aprovação, mas ali, a partir daquele movimento histórico, o fim da ditadura militar se materializou e finalmente, no ano de 1985 o Brasil teve a abertura política tão desejada e ficou livre da opressão, repressão, perseguição política, violência, mortes e falta de liberdade impostas ao povo brasileiro pelo golpe militar em 1964.

Nós engravidamos da primeira filha, nossa querida Mariah, em 1986. Com o nascimento dela, trabalhar oito horas ficou pesado e prejudicou tanto o passar o tempo como o acompanhar mais de perto seu crescimento, assim como com nosso amado Jônatas, o segundo filho, que nasceu em 1989. Naquele momento, Deus me mandou a bênção de poder trabalhar nas páginas diárias do Diário Oficial do Estado de Minas Gerais com uma carga horária de apenas cinco horas. Foi uma grande alegria e alívio para a culpa. Fiz a prova e fui aprovada para trabalhar como repórter do jornal que, à época, tinha vinte e seis páginas e várias editorias. Passei por quase todas. Tive chefes e colegas maravilhosos que foram generosos e me ensinaram muito.

Exerci a profissão de jornalista com muita alegria em cumprir a rotina das pautas diárias, entrevistas e a volta à redação para escrever as matérias. Foram trinta e oito anos (com pequenas paradas) trabalhando como repórter, editora, assessora de imprensa. Descobri a alegria do jornalismo e as suas tristezas também. Mas me encontrei na profissão que nos permite estar sempre ligados ao que acontece na cidade, no país e no mundo e também interagir, aprender, pesquisar, conhecer pessoas da cultura e artes, da política, economia, saúde, educação, religião. E conviver com os colegas foi uma benção à parte. Somos amigos até hoje, nos encontramos regularmente, quase todos já aposentados como eu.

A aposentadoria acabou trazendo o medo de perder tudo ao que havia me dedicado na fase mais produtiva da vida, mas Deus esteve comigo nessa fase também, orientando e me dando sabedoria para tomar decisões importantes para esta fase que ainda pode dar muitos frutos, como nos ensina a Bíblia e diversas pesquisas sobre o envelhecimento. Segundo Priscilla Neves, psicóloga e especialista em gestão de recursos humanos, viver mais e de forma produtiva já é um fato no mundo atual: “Até um tempo atrás, a aposentadoria vinha na faixa dos quarenta anos e com um sentido de ciclo produtivo finalizado, de invalidez. Hoje, as pessoas se posicionam de forma diferente e o recado que elas querem dar é de que ainda estão ativas e antenadas”.  Para ela, muitas pessoas estão se preparando para parar de trabalhar cada vez mais tarde: “Vamos chegar em um ponto em que o limite não será mais a legislação, e sim o limite de cada um”. E isso é muito bom!

Já no ano seguinte ao da minha aposentadoria fiz uma especialização em revisão de texto em um curso à distância. Revisei alguns livros de amigos e familiares e percebi que também posso ser produtiva nesta área, com tranquilidade e alegria.  De acordo com um estudo da Universidade de Warwick, no Reino Unido, à medida que as pessoas passam dos 50 anos, os seus níveis de stress, preocupação e raiva diminuem significativamente e “apesar do declínio físico, as pessoas se sentem mais felizes à medida que envelhecem”. O estudo ainda afirma que isso pode se dar “devido ao fato de que os idosos têm melhores habilidades para lidar com as dificuldades ou circunstâncias negativas da vida em comparação com pessoas mais jovens”. Eu posso dizer que esta tem sido uma realidade em minha vida.

E nós, que estamos por aqui neste 2024, passamos por uma pandemia assustadora, a Covid-19 que matou mais de 700 mil pessoas só no Brasil. Perdemos familiares e amigos e vivemos um tempo de medo e angústia. Tomei e tomo todas as vacinas, que são o recurso que Deus dá à humanidade de se livrar de tantas doenças e pandemias. Alguns não quiseram ser vacinados, infelizmente. Mas mesmo já tendo uma idade mais avançada, a maioria de nós conseguiu recuperar a saúde psíquica e guardar a fé, graças a Deus e à capacidade que Ele nos dá de resistência e o fruto da alegria no Espírito Santo.

Minha profissão se tornou também minha “segunda carreira”, sugerida por Paul Tournier no livro Aprender a Envelhecer. Isso é mais uma benção e um desafio. E durante a pandemia da Covid-19 eu tive o privilégio de vir a fazer parte da equipe do Coletivo Bereia de informação e checagem de notícias, onde estou até agora. No Bereia, jornalistas e outros profissionais têm feito um excelente trabalho já reconhecido no Brasil e no exterior. O fact-checking é uma checagem de fatos que confronta informações com dados, pesquisas e registros. Isso se tornou extremamente necessário em um mundo de tecnologias avançadas, redes sociais diversas que facilitam a produção e difusão de informações falsas, duvidosas, que não correspondem à verdade em muitas ocasiões. As conhecidas fake-news que se tornaram muito presentes na sociedade, especialmente na política.

Sou muito agradecida a Deus, ao Coletivo Bereia e, mais recentemente, ao Movimento Cristão 60+ (MC 60+) que também me deu a oportunidade de fazer textos e matérias para o blog e também para a revista Ultimato. Agradeço muito à Klênia Fassoni, diretora da Editora Ultimato, que confiou em mim e tem me dado oportunidades de escrever para o site Ultimatoonline exercendo minha profissão também como uma segunda carreira.

Minha vida não tem sido uma guerra, mas com certeza há algumas batalhas que ora ganhei, ora perdi. E sei que seguirá assim. No entanto, posso dizer como o profeta Samuel: “Até aqui nos ajudou o Senhor!” E graças a Deus também posso lembrar o salmista: “Grandes coisas fez o Senhor por nós e por isso estamos alegres” (Sl 126.3). Quero seguir com esta certeza e esperança até quando encontrar com o meu Salvador.

Xênia Marques Lança de Q. Casséte é jornalista, esposa e mãe. Membro da Igreja Batista da Redenção, faz parte da equipe do Coletivo Bereia de informção e checagem de notícias.

Referências

O Globo. “Trabalho na 3ª idade: é possível se sentir produtivo depois dos 60?”. Disponível aqui.

O Globo. “Com que idade somos mais felizes? Ciência faz descoberta surpreendente”. Disponível aqui.

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