Não espere a velhice para ser sábio, para que não se arrependa de uma vida sem alegria, sem vitalidade, sem abundância
Por Thomas Hahn
Reflexão
Meu caro amigo,
Esta sua ideia foi excelente: escrever sobre a velhice do ponto de vista… de um velho! Muito se tem escrito sobre a velhice. Pudera: estamos, de um modo geral, vivendo cada vez mais. O jornal ao qual subscrevo tem, diariamente, um espaço reservado para uma coluna obituária, pinçando a história de uma pessoa, geralmente muito bem escrita – e noto que, não raro, a pessoa em questão morreu aos oitenta ou noventa e poucos anos.
Os livros até aqui publicados sobre a velhice não falam da velhice em si. São dedicados a um público que está chegando lá, e contêm conselhos preciosos sobre como se preparar para esta fase da vida de tal maneira que ela seja desfrutada de uma forma gostosa, em todos os sentidos: financeiro, saúde física e mental, atitude, interesses etc.
Para uns, é possível seguir à risca os conselhos dados. Para outros, no entanto, a realidade é outra. Nem sempre é possível construir nossas finanças de maneira a continuar a viver como se vivia até, por exemplo, a aposentadoria. Tenho amigos que perdem seus empregos aos cinquenta e tantos anos, e não conseguem uma recolocação. Outros têm empresas que não dão muito certo e os deixam na mão no fim de suas vidas produtivas. E um grande número nunca desfrutou de uma situação que lhes permitisse desenvolver interesses variados, como viajar pelo mundo, enfim, levar aquela vida gostosa que deve (segundo os livros publicados) continuar ad eternum.
Os títulos dos livros me incomodam. Ninguém usa o termo “velho”. Ou é “terceira idade”, ou é “melhor idade”. Terceira dá a entender que existe uma quarta. Não tem. E “melhor idade” não diz respeito ao idoso. Acho que tem mais a ver com a indústria da saúde: médicos, hospitais e indústrias farmacêuticas. Vivemos a era dos eufemismos.
A verdade nua e crua é esta: a velhice é a última idade. E o mais interessante é que ninguém escreve sobre o que vem depois: a morte.
Por fim, ainda não li algo sobre a velhice escrita do ponto de vista cristão. Então é isto: vou colocar meus poucos neurônios sobreviventes para funcionar, e tentar dizer algo sobre o como é ser um velho cristão. Será, forçosamente, pessoal; mas, quem sabe, será de alguma serventia, não só para outros anciãos, mas para quem está no caminho de sê-lo.
O velho e a sabedoria
Você me pergunta se me sinto mais sábio nesta fase da vida. A resposta é: “Não!” O máximo que posso dizer é que, quem sabe, sou sábio há mais tempo. Só isso.
Digo isso porque a sabedoria, como lemos em Provérbios 1.7, começa pelo temor do Senhor. Ora, isto está ao alcance de todo aquele que busca a Deus; não existe, aí, nenhuma correlação etária.
Aliás, quanto ao quesito “sabedoria”, aplica-se o “quanto mais cedo, melhor”. Há um livro na Bíblia que nunca me trouxe prazer ler: Eclesiastes. Nele, o autor – possivelmente, Salomão – termina sua narrativa dizendo: não façam o que eu fiz, façam o que digo. E isto, no fim da sua vida. Ou seja, não esperem a velhice para serem sábios, para que não se arrependam de uma vida vivida sem alegria, sem vitalidade, sem abundância.
A aposentadoria
Claro, meu amigo, chegou a hora em que tive que me aposentar de vez. Já tinha, fazia tempo, idade para tanto. Mas quando minhas limitações físicas crescentes se aliaram à minha perda de relevância no meu metier profissional, pendurei as chuteiras de vez. No meu caso, deixei de trabalhar numa pequena empresa de serviços da qual era um dos sócios.
Graças a Deus, existe uma área de nossa vida na qual podemos continuar na ativa. É o trabalho que fazemos para o reino de Deus. Uma das histórias (reais) de que mais gosto é de uma senhora cujo ministério era escrever cartas a jovens detentos de uma penitenciária, ministério este que gerou muitos frutos de conversão. Eventualmente sua condição física a levou, de forma definitiva, à cama, sem possibilidade de continuar escrevendo. Perguntada se isto significava o fim de seu ministério, ela respondeu, indignada: “De jeito nenhum! Ainda posso orar!”.
Hoje tenho imensa satisfação naquilo que Deus me deu para fazer: um grupo de homens que se reúne semanalmente para conversar, livremente, sobre as coisas de Deus; discipulado para alguns incautos que acham que posso ajudá-los em suas caminhadas com Cristo; falar aos jovens da igreja (para minha enorme surpresa e deleite, insistem em convidar-me); pregar ocasionalmente nos cultos; e, finalmente, tocar meu pianinho enquanto a artrose não acaba, de vez, com esta farra.
Conheci, certa vez, um grupo de idosos numa igreja (de bom tamanho) que resolveu se juntar para ser uma espécie de “grupo com interesses especiais”. Reuniam-se para comer pizza, fazer viagens, ouvir palestras, e assim por diante. Perguntei-lhes o que se propunham a fazer como atividade na igreja, ao que responderam, indignados, que já haviam feito muito em suas vidas, dedicado horas ao serviço de Deus, sido presbíteros ou diáconos, e que agora era a hora do desfrute, da aposentadoria! Logo agora que, aposentados, tinham mais tempo disponível para se dedicar às coisas de Deus!
O grupo não teve sobrevida longa. Desfez-se em pouco tempo.
Quanto a mim, tenho em mente que existe alguma correlação entre eu continuar vivo e o poder servir a Deus. Minha esperança é que quando eu não puder mais continuar a seu serviço aqui (sempre tem o “alemão” espreitando por perto) Ele me leve para si.
Morte, eternidade e outras coisas…
É bem verdade, meu amigo, que a velhice é a derradeira oportunidade que temos para compreender o sentido da vida, da morte, da eternidade e do plano de Deus. Novamente, tenho que dizer que não é bom deixar isto para o fim da vida; é jogar fora a própria vida. A verdade é que aquilo que pensamos sobre a morte – e o que vem depois – tem tudo a ver com a maneira que vivemos.
Por exemplo: se minha teologia é “fim do mundista”, isto é, se creio que a História caminha para a destruição do mundo por um Deus irado, meu cristianismo será totalmente individualista, centrado no eixo Eu-Deus, sem espaço ou perspectiva para o mundo que me cerca. Aceitarei, de bom grado, minha salvação, sabendo que ela me livra da morte e me leva para a eternidade com Deus, embora não consiga vislumbrar o que significa uma eternidade no céu (e como tem hinos sobre o céu!). Mas como o tal céu é totalmente separado da terra, esta teologia não cria nenhuma ligação entre a eternidade e a maneira que posso, ou devo, viver aqui e agora.
Já se eu vislumbro a Nova Jerusalém, descendo do céu para a terra, na qual habitarei para sempre em um corpo material cujas peças trazem uma garantia perpétua de bom funcionamento, consigo ver o Deus da criação, que achou que sua obra merecia elogios (bom, muito bom), que prometeu a Noé que não destruiria o mundo, que iniciou a história da recriação em Jesus, partindo do homem, e que há de completá-la recriando o universo – bem, vislumbro, então, um Deus que ama a matéria que criou, o que inclui o homem e a natureza. Pergunto: Se Deus ama sua criação, mesmo que atualmente esteja corrompida, posso eu ignorá-la, ou mesmo odiá-la? Posso ceder aos encantos da filosofia de Platão, afirmando que a matéria não presta, e o que vale é o espírito?
Desculpe, meu amigo, minhas investidas amadoras na teologia. É que eu, como membro de igreja há algumas décadas, noto que pouco, ou nada, se prega sobre a morte e sua derrota em Cristo, sobre a vida eterna material (e não espiritual), sobre a condenação e sim, sobre o inferno, sobre nossa participação ativa desde já no plano divino de recriação da terra, na pregação da justiça social, da não-corrupção, da proteção e ajuda aos fracos e oprimidos, da visão de um mundo mais parecido com aquele que Deus tem em mente, mesmo sabendo que não alcançaremos este objetivo até que Cristo volte. E que, por falta de pregação, nossas igrejas se tornarão, eventualmente, irrelevantes.
Em resumo, amigo, dá para ver que o tema “eternidade” vem sendo matutado por este escriba já faz tempo. Para ser exato, desde minha conversão, pois ela se fundamentou na ressurreição de Jesus, e esta, por sua vez, me levou por uma longa jornada até chegar às conclusões que expus. Agora, o que não pode acontecer a um velho é o que vivenciei há alguns anos. Estava liderando uma discussão de um grupo de “terceira idade”, e pedi para que respondessem, anonimamente, num pedaço de papel sem assinatura, à seguinte pergunta: “Você tem medo da morte?”. Das quinze pessoas presentes, só uma disse que não; os outros se pelavam de medo. Isto não é sabedoria para ninguém, muito menos para um velho.
Permita que este velho que lhe escreve tenha um momento de tristeza. Sinto-me solitário na minha busca por encorajamento nesta fase em que preciso ter minha fé reforçada, antecipando com alegria o Banquete para qual fui convidado. Quando abordo este assunto com irmãos da igreja, recebo como resposta algumas frases que preferia não ouvir, como “Vira esta boca pra lá” (movimento facial difícil de ser executado), “Você ainda vai viver por muitos anos” (como tem profetas nas igrejas!) ou, ainda, o famoso “O importante é que você tem saúde” (não tenho).
Minha sabedoria diz que seria bom que a igreja voltasse a falar sobre a eternidade, tanto para sua edificação e vida, como para ajudar seus idosos na etapa final de suas caminhadas.
Simplificando
Bem, meu amigo, vamos voltar a falar de coisas boas da velhice. Uma delas é a simplificação.
Passamos nossas vidas acumulando. A velhice é quando podemos, finalmente, desbastar nossa existência, livrando-nos do supérfluo, ficando com o essencial.
Veja, por exemplo, o caso de nossas moradias. No começo, não precisamos de muito espaço. Depois, casamos, temos filhos, ganhamos algum dinheiro, aumentamos o tamanho do lar, adquirimos uma casa de praia ou campo (aquela que nos traz duas alegrias, quando compramos e quando vendemos), roupas que não precisamos, mas que são bonitas, móveis idem, e por aí vai. Ah, sim, consideremos as coisas herdadas de nossos pais, tios, avós, e que são verdadeiras tranqueiras lá em casa.
A velhice é uma boa (e a última) oportunidade para fazer uma faxina, livrando-nos das coisas que acumulamos, mas cuja posse nos traz mais despesas que alegrias. A proposta chinesa, de jogar fora tudo que não foi usado nos últimos doze meses, é realmente boa – sem pensar no bem que podemos fazer para outras pessoas que precisam do que, para nós, já não é mais necessário. E, indo direto para o fígado, simplificar enquanto estamos vivos reduz o estresse de um inventário complicado. Poupemos, à medida do possível, nossos herdeiros. É para isto que existem advogados.
Observo que simplifiquei não só minha vida material, mas, da mesma forma, a espiritual. Tenho cada vez menos certezas, mas as que restam são cada vez mais firmes. Tem muita coisa que, em certo momento, parecia ser importante como doutrina de fé. Já hoje, aprofundo-me mais na doutrina básica dos apóstolos, que é rica o suficiente para ocupar minha mente por vários séculos, e perco o interesse em discutir sub-doutrinas que separam os cristãos em várias igrejas e denominações. Tenho, sendo evangélico, imenso prazer em ler declarações do papa quando coincidem com as Escrituras! E perdi, completamente, o medo de dizer “Não sei” quando, realmente, não sei. Tenho uma boa lista de perguntas que pretendo fazer quando estiver com Jesus, mas desconfio que muitas delas não serão mais relevantes.
O importante, na simplificação, é não ter medo – e o maior medo que temos é perder status. Quando vendemos nossa última casa, e mudamos para um apartamento de 68,2 metros quadrados, fui, por vezes, criticado, e por outras, confrontado: “Como é que você teve coragem?”. Mas não era questão de mais ou menos coragem. Era, simplesmente, necessário, financeiramente (as despesas de manter uma casa com jardim aumentavam, a renda diminuía) e física (uma área menor para minha esposa, com pouquíssima ajuda minha, cuidar). E, que maravilha, estamos felicíssimos em nosso ninho. Simplificação é sabedoria.
Dependência
Você me pergunta se tenho problemas com a eventual perspectiva de me tornar dependente de outros. Sei que para muitos, esta questão assusta, e bastante. A reação que mais encontro é que tornar-se dependente é uma desonra, uma confissão pública de fracasso na vida, um atestado de incompetência e fraqueza de vida.
É normal que a última fase da vida acarrete uma fragilidade financeira. Nossa receita diminui, nossas despesas médico-hospitalares aumentam, e a equação não fecha mais. Mesmo aqueles que vinham bem em sua carreira profissional tornam-se vulneráveis aos cinquenta – conheço vários que perdem seus empregos ou empresas nesta idade, e não tem mais como consertar a situação a tempo de usufruir de uma velhice amena e gostosa. Sua receita fica, eventualmente, restrita à aposentadoria — o que não garante as contas normais, que dirá das viagens, jantares fora, idas ao teatro, etc. O destino final pode ser a dependência financeira de outros, começando pelos filhos.
Igualmente assustadora é a dependência física advinda da doença. Não preciso mencionar quais podem ser – a lista é conhecida de todos. Existe, é claro, o lado lúdico da coisa (desde que se tenha um senso de humor razoável). Um exemplo é a rivalidade entre minha esposa e eu para ver quem tem mais remédios na mesa do café da manhã. Por enquanto, vou ganhando – minha xícara fica escondida por trás de uma falange de potes e vidros. Falando sério: depois da minha última cirurgia de coluna, estava tão fraco, e sentia tanta dor, que não conseguia tomar banho sozinho, precisando do auxílio de enfermeiros. Minhas pernas, mesmo com a cirurgia, não funcionam a contento, pouco posso fazer para ajudar minha esposa em casa, e, não raro, preciso de uma mãozinha para atravessar a rua.
A moeda, no entanto, tem outra face. Ao vivenciar minhas dependências, verifiquei que Deus abençoava as pessoas que me ajudavam, enchendo-as de um espírito amoroso de serviço. Verifico, na minha velhice, que quando deixo de ser o centro de minhas preocupações e consigo olhar para fora, posso me deleitar com a maneira como o Senhor age. E, neste processo, aprendo novamente o como é bom, importante e vital depender dele, embora tenhamos todos aprendido a sermos autossuficientes em nossas vidas.
Novamente, meu amigo, esta é uma lição que deve ser aprendida o mais cedo possível. Não precisa esperar ser velho.
Perdas
Sou forçado, meu amigo, a falar de uma constante inescapável da última idade. Refiro-me a perdas: financeiras, físicas e pessoais. Financeiras – bem sobre elas já falamos bastante e, de um modo geral, creio que se estivermos conscientes de que elas são, se não uma regra absoluta, pelo menos frequentes, podemos agradecer a Deus pelo que tivemos, encarar a nova situação e agradecer, novamente, pelo que temos. Isto é sabedoria em qualquer idade.
As perdas físicas são inescapáveis, em algum momento. São, também, imprevisíveis. Por mais que uma pessoa tenha se cuidado, e continue a se cuidar, observando tudo que se recomenda e consultando o médico regularmente, vem a hora em que nosso corpo falseia, tropeça e cai. Perde-se uma mobilidade, um prazer, um órgão importante, e não existe dinheiro que reponha o que se perdeu. Nosso corpo emite um aviso: a última idade está chegando ao fim! Não foi, portanto, por acaso que recomendei, no começo desta carta, que um ancião tivesse sua teologia em ordem, sua fé viva e definida. Caso contrário, estas perdas significarão pânico e angústia.
Finalmente, falemos de outro assunto que incomoda nossos irmãos: falar sobre a perda de pessoas queridas. Cada perda é um pedaço de minha vida que se vai – estou me sentindo um verdadeiro queijo suíço, de tantos buracos. Um dos choques absurdos da vida é quando uma pessoa vive o suficiente para enterrar um filho, uma pessoa mais jovem – nossa biologia se revolta contra esta inversão da lógica. E, por fim, a incerteza de saber quem irá falecer primeiro: o marido ou a esposa. Pensar em deixar o cônjuge só traz um sentimento de culpa; pensar o oposto produz medo da solidão, do abandono. Não pensar sobre o assunto? Impossível.
Sim, meu amigo, é verdade que verei algumas destas pessoas no eterno porvir, verdade esta que deveria me trazer consolo. Noto, no entanto, que este consolo não ameniza a dor da perda. Nesta hora cabe, unicamente, a certeza absoluta de que nada nos pertence; tudo é de Deus. Se o Senhor deu, e o Senhor tirou – bem, bendito seja o nome do Senhor! Aceitar a dor, aceitar o consolo que Deus nos envia – isto é sabedoria que se adquire com o tempo.
Antes de concluir estes comentários sobre perdas, permita-me falar de uma que pode desencadear a velhice – em qualquer idade! Falo da perda de relevância. Quando sua opinião já não é mais importante, principalmente no âmbito profissional, comunitário, associativo ou político. Quando mal se disfarça o tédio de ter que ouvi-lo, tamanha sua insistência. Quando decisões são tomadas sem que você seja ouvido, que dirá consultado. Quando você constata que o mundo não precisa de você para continuar girando. Quando seu filho, para quem você era herói, exemplo e âncora, toma seu rumo sozinho e, no máximo, oferece conselhos a você. Aí, só vejo uma saída: faça o que você quer fazer, gosta de fazer, sabe fazer, do jeito que puder, sem a presunção de estar colaborando para o bem maior da humanidade. Humildade nunca fez mal a ninguém
Menos pode ser mais
A esta altura do campeonato, você, meu amigo, já entendeu que o velho pode fazer cada vez menos. Tem menos saúde, menos dinheiro, menos tudo. Mas isto está longe de ser necessariamente mau. Nós, os velhos, temos uma posição privilegiada, pois, ao invés de vermos nós fazendo isto ou aquilo, assistimos, de camarote, Deus realizando. É um privilégio. E, para dizer a verdade, deveria ser sempre assim; perdemos muito tempo pensando que é nosso esforço, mental ou físico, que define rumos, modifica vidas, traz resultados.
Um exemplo recente serve de exemplo. Tive a ideia de formar um grupo de homens na minha igreja, que se reúne semanalmente para bater um papo solto, embora voltado, de alguma forma, para as coisas de Deus. Não existe a figura do preletor. Pois bem, tenho tido a benção de ver este grupo se transformar em pessoas ativas da igreja, buscando a vontade de Deus em suas vidas, crescendo em interesse nas Escrituras. Minha participação foi, apenas, este embrião de projeto, já que não tinha a menor noção do que dele resultaria. Tem, sem dúvida, sido uma benção em suas vidas – mas, garanto, tem sido maior na minha. Quando somos menos, Deus é mais.
Aprendendo uma nova linguagem
Minha vida cristã começou aos 38 anos. Leitor assíduo, devorei, além da própria Bíblia, livros e mais livros. Andei, por longos anos, de mãos dadas com teólogos, pastores e, lamento dizer, vários picaretas. Por pouco não fiquei preso à prosa da lógica. Quem me abriu os olhos – quando eu já tinha ultrapassado os sessenta – foi o pastor Osmar Ludovico. Descobri que a prosa racional é necessária para o conhecimento de Deus (melhor dito: daquilo que nos é possível conhecer), mas não suficiente. Quando o apóstolo Paulo, mestre da doutrina, acaba de expor parte da doutrina, e se aproxima da majestade de Deus, ele joga a prosa ao mar e sucumbe à poesia, ao lirismo.
Se Deus não cabe na prosa, muito menos cabe nos chavões. Estes, quando usados constantemente, tornam-se herméticos. Ao invés de aproximarem o ouvinte de um Deus majestoso, reduzem-no a um deus nanico, interessado apenas em nos ensinar a sermos doutrinariamente corretos (o que, se possível, é pior que ser politicamente correto). Usar toda a riqueza da linguagem é, sem dúvida, arriscado; no entanto, é através deste processo que a doutrina, que é santa e boa, torna-se mais real, tanto para quem nela medita, como para quem a ouve.
Não estou dizendo, meu amigo, que você deve abandonar a prosa; apenas, adicione a poesia – mesmo que sem rimas.
Finalmente
Oscar Wilde disse que conseguia resistir a tudo – menos à tentação. Eu, também. Tenho, no entanto, uma justificativa: você me pediu para dar alguns conselhos quanto à velhice, que é o que ora faço, com a ressalva de que, se fossem bons, seriam pagos.
. Escreva suas memórias. Você pensa que sua família (principalmente seus filhos) conhece sua vida. Não é verdade. Ponha tudo no papel, para que eles saibam quem era, na verdade, seu pai/avô/tio/amigo, quais os ambientes e circunstâncias que moldaram sua personalidade, como eram os seus pais, etc. Aproveite para revisitar sua vida. É gostoso, e escrever no computador facilita as coisas.
. No embalo, aproveite este tempo para fazer duas coisas. Primeiro, busque uma ocasião (em tempo ou fora de tempo) para dizer às pessoas que você ama – que você os ama! Para filhos adultos, é uma benção; para seu cônjuge, vital. Não deixe de fazê-lo enquanto pode – depois pode ser tarde demais.
. Conserte relacionamentos que ficaram esgarçados pelo caminho.
. Ponha sua vida em ordem – dê o menor trabalho possível aos herdeiros.
. Admoeste a quem precisa de admoestação. Peça perdão a quem se sente ofendido por você. Perdoe quem lhe tiver ofendido.
. Se possível, mantenha contato com pessoas de todas as faixas etárias, principalmente na sua igreja. Mostre – e desenvolva – interesse em suas vidas. Evite ficar preso a pessoas de sua idade. Fuja da tentação de conversar sobre sua saúde, médicos, tratamentos e remédios (pelo menos, policie-se para ficar no mínimo exigível).
. Mantenha seu senso de humor. Exercite a risada.
. Dê seu testemunho de fé.
. Leia. Escreva cartas para os jornais (mas não espere que publiquem).
. Não lute contra a velhice com as armas que o marketing propõe. Melhor é: abrace e aceite sua última idade.
Thomas Hahn, nasceu em Viena, Áustria, mas é carioca por formação, casado com Christine com quem tem três filhos. Congrega na Igreja Batista da Granja Viana, em Cotia, SP.
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Crédito da imagem: Rachel Strong, Unsplash.
Que lindo este texto. Quanta sabedoria e conhecimento do pai de amor.