Socorro! Tenho medo dos líderes mais jovens

Paradigmas missiológicos clássicos para líderes mais velhos num contexto da narrativa de ódio entre gerações onipresente na internet

Por Justin Schell

O conflito entre gerações é algo tão velho quanto a própria Bíblia. Nela, vemos um sogro ganancioso se aproveitar de seu genro (Gn 29-31). Vemos gerações mais velhas falhando completamente em investir nas mais jovens (Juízes 2.10-15). Vemos um jovem rei escutar à insensatez de seus amigos, ao invés de um conselho sábio de anciãos (1 Reis 12.1-15). Vemos adultos afastando crianças, como se o Messias não tivesse tempo para elas (Mateus 19.13-15). Vemos um profeta, mais velho, desistir de um homem jovem, que, anteriormente, havia falhado em cumprir seus compromissos. (Atos 13.13; 15.36-41).

Não há nada de novo sob o sol. A juventude, pelo mundo e através do tempo, lutou para receber a sabedoria das gerações de seus pais e avós. E esses mesmos pais e avós se preocuparam ao extremo com as escolhas de seus filhos, seja em moda e música ou em questões mais significativas, como as escolhas de trabalho ou namoro e casamento. Afinal, os pais de Julieta simplesmente não conseguiam entender seu amor por Romeu.

A velocidade com a qual a informação chega até nós hoje e a extensa narrativa sobre o ódio entre gerações, que é onipresente na mídia e na internet, fazem parecer que estamos entrando em um novo território. Mas, não estamos. 

Aquela sensação de desconforto que você sente ao se tratar de outras gerações é normal. Eu espero que esse artigo te ajude a responder a ele de uma forma que honre ao Senhor e fortaleça a igreja. Eu estou escrevendo, primariamente, para as gerações mais velhas, mas eu acredito que o que eu compartilho também vá ser instrutivo para os leitores millennial e Gen-Z. Mais especificamente, estou escrevendo para líderes de missões mais velhos.

Na verdade, o que eu vou argumentar é que você já tem as ferramentas necessárias para amar, encorajar e fazer parceria com líderes de missões mais novos. Seu treinamento de missão preparou você para isso. Deixe-me relembrá-lo de dois dos mais importantes estudiosos de missões dos últimos 50 anos e como seus trabalhos informam a conversa entre gerações.

Andrew Walls (1928-2021)
Andrew Walls foi um historiador de missões britânico que teve um impacto tremendo nos estudos de missões ao longo das últimas décadas. Uma das contribuições mais úteis que Walls fez foi ao articular os princípios indigenizantes e peregrinos do evangelho.1

O princípio indiginezante do evangelho significa que o evangelho está em casa em todas as culturas. Poderíamos até dizer que o evangelho chega em uma cultura e encontra coisas lá que, pela graça de Deus, ele afirma como bom e bonito.

O princípio do peregrino, por outro lado, diz que o evangelho se porta como juiz de toda cultura. O evangelho está em casa no contexto árabe, mas chama todos os árabes a se arrependerem daquelas expressões culturais que vão contra Deus e seus caminhos. Ele diz ‘Você pode permanecer em sua cultura, mas você é um cidadão do céu antes de qualquer outra coisa’. 

Juntos, esses dois princípios significam que o evangelho tanto afirma todas as culturas quanto sujeita todas elas à cultura do céu. Nós podemos vir como somos para Jesus e, uma vez que o fazemos, nós somos agora estranhos e alienígenas ao mundo. Isso quer dizer que o Cristianismo vai parecer africano na África, asiático na Ásia, e assim em diante, mas o que nos une é o próprio evangelho. O evangelho se faz funcionar dentro da cultura, mas nós devemos resistir à tendência de domesticar a fé ao confundi-la com cultura ou trazer a cultura de volta, para dentro do evangelho.

O que isso tem a ver com gerações? Bem, o que são as gerações além de culturas limitadas ao tempo? Por exemplo, gerações irão, frequentemente, ter sua própria e única linguagem (e.g. gírias). Especialmente ao longo do último século, e de forma crescente nessas gerações nativas do digital, gerações mais jovens se vestem diferentemente de seus pais. Como mencionado acima, eles podem escutar a músicas completamente diferentes e seguir vocações totalmente opostas. Na verdade, a definição de uma vida bem-sucedida oscila dependendo de onde você nasceu. A definição de “a que pessoas ou grupos elas pertencem” até está em debate.

Então, o que o líder mais velho deve fazer? Alguns podem chamar isso de pesquisa etnográfica. Alguns dos líderes foram os primeiros estrangeiros a visitar uma tribo remota. Você aprendeu, algumas vezes, duas ou três novas línguas, simplesmente, para ser capaz de se comunicar com um grupo de pessoas inalcançado. Você trocou suas vestimentas, culinária, confortos e cultura, com o objetivo de se tornar tudo para todos. Você sabe como exercer, compartilhar e se livrar completamente do poder, para que os líderes da sua cultura adotiva possam pegar o bastão e correr com ele. Sua inteligência cultural é sem igual. Na verdade, você era tão bom nisso que, quando você voltou ao seu “lar”, você não se sentia mais em casa. Você, agora, é um estranho e alienígena em sua terra natal. 

É por isso que eu acredito em você. Você tem as habilidades e o coração para entender a cultura, linguajar, forças, hábitos e vícios da próxima geração. Enquanto você explora a “cultura” deles, você terá a oportunidade de afirmar tudo de bom que você encontrar lá. O Evangelho vai estar em casa nas culturas dos millennial e dos Gen-Z. O anseio deles por comunidade, o altruísmo e o senso de justiça. Ao mesmo tempo, eles vão precisar que você os ajude, amavelmente, a ver as formas que a cultura deles entra em conflito com a cultura do céu, como, às vezes, até suas características boas tornam-se ídolos, ou seja, suas tendências sincretistas.

Paul Hiebert (1932-2007)
Quando você busca ajudar gerações mais novas a se desenraizarem do sincretismo, você precisa confiar em outra ferramenta que você, provavelmente, tem de seu treinamento de missão. Em 1987, Paul Hiebert publicou um artigo intitulado Contextualização Crítica (Critical Contextualization)2. Como um lembrete, aqui estão os passos na abordagem de Hiebert.

Exegese da Cultura – Esse é um estudo não-crítico da cultura local fenomenologicamente, simplesmente tentando entender quais são as práticas e as razões para eles na cultura atualmente. No nosso caso: O que a geração mais jovem faz e o por que o fazem? Explore isso como se você estivesse cruzando para um novo povo etno-linguístico. 

Exegese da Escritura e a Ponte Hermenêutica – Agora, vamos à Escritura, com esses jovens líderes, para discernir o que ela tem a dizer sobre esses comportamentos e as crenças que dão suporte a eles. Claro, nós devemos tomar cuidado para não forçar as práticas da nossa cultura dentro da Escritura e, assim, impor um Cristianismo de Boomer ou Gen-X sobre a próxima geração.

Resposta Crítica – Hiebert escreve “O terceiro passo é que as pessoas, coletivamente, avaliem criticamente os próprios costumes do passado à luz de seus novos entendimentos bíblicos e tomem decisões quanto à sua resposta às suas recém-descobertas verdades”. Você confia nas gerações mais jovens para lutar, com a Escritura, fielmente, em oração e comunidade? Fique à vontade para fornecer informações e sabedoria, mas, no fim, eles devem tomar suas próprias decisões.

Como em qualquer cultura, os jovens líderes Gen-Z no nosso meio podem manter algumas práticas e ideias porque eles não são contrários à Escritura (alguns podem até ser louvados pela Escritura, como vimos anteriormente). Por outro lado, eles podem rejeitar algumas coisas que eles acreditavam e praticavam anteriormente. Finalmente, eles podem modificar algumas crenças e práticas para alinhar, de forma mais completa, com a Escritura. No final, eles ainda serão quem Deus os criou para ser nessa geração, mas, por causa da sua paciência e sua amizade, eles têm a chance de viver, ensinar e liderar mais como Jesus.

Melhores juntos
Estamos todos cientes de que, às vezes, somos cegos aos pecados e vieses de nossa própria cultura. Líderes mais jovens sabem que eles não sabem tudo. Aqueles com quem eu trabalho já demonstraram humildade e ensinabilidade incríveis. Eles têm fome de crescimento. Eles querem ser mais como Cristo. Eles leram e escutaram o máximo que puderam. Eles não querem uma plataforma… eles querem, apenas, fazer a diferença. À luz disso, deixe-me lhe oferecer um desafio a mais.

Você permitirá que os jovens líderes falem para os seus pecados e vieses geracionais também? Você os convidará para um processo de contextualização crítica, onde eles estudem a sua cultura, onde vocês leem a Escritura juntos, e então você considerará como o Evangelho os chama a responder e viver, de forma mais completa, a cultura do céu ao invés de sua própria cultura geracional? Pode ser assustador, humilhante e intimidador, mas, a alternativa – sentar e esperar que os líderes de missões mais jovens pensem, falem e comportem-se como você – não é algo que você quer. 

Por causa de Cristo, os líderes de missões mais velhos que eu conheço querem se doar para a próxima geração. Eles também mostraram uma humildade incrível através de horas de mentoria e de oração; intencionalmente, abrindo portas para oportunidades de crescimento; provendo com livros e conferências, sem contar com refeições, dinheiro e quartos de hóspedes; compartilhando ou cedendo totalmente a autoridade; convidando, escutando e fornecendo informações. É muito lindo.

Líderes mais velhos têm o que é necessário para amar, entender, liderar e fazer parceria com líderes mais novos. Eu acredito que será uma das coisas mais revigorantes que líderes mais velhos poderão fazer. E, ao se doar à próxima geração, acredito que o nosso impacto em nossos anos finais irá superar, e muito, qualquer uma de nossas contribuições anteriores.


Notas
1 Andrew Walls. O Movimento Missionário na História Cristã: Estudos sobre a Transmissão da Fé. Maryknoll, NY: Orbis Books, 1996.
2 Paul G. Hiebert. “Contextualização Crítica”. International Bulletin of Missionary Research, 11(3), 104-112. 


Justin Schell, diretor de projetos executivos para o Movimento Lausanne.

Artigo publicado originalmente no site Lausanne. Reproduzido com permissão.

Tradução: Ana Laura Morais.

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