O maior desafio para o profissional de saúde cristão é trabalhar de forma integral com o idoso. Conhecê-lo é importante
Entrevista
Haniel Passos Eller, especialista em clínica médica e geriatria em Goiânia, GO, foi presidente do Médicos de Cristo (MDC) de 2014 a 2017 e continua ativo na associação, facilitando cursos e orientando novos líderes. Atualmente, é diretor executivo associado no International Christian Medical and Dental Association (ICMDA), atuando no apoio e desenvolvimento de médicos cristãos nas Américas e África de Língua Portuguesa.
Na entrevista a seguir, vamos conhecer mais de sua trajetória trabalhando com o envelhecimento.

MDC Revista: Conte o que o levou a especializar-se em geriatria.
Haniel: A geriatria nunca tinha sido uma opção para mim. Eu digo que ela me escolheu, ao invés de eu tê-la escolhido. Fiz clínica médica pensando em ir para a cardiologia – o mesmo campo onde meu pai atua. Porém, durante a residência de clínica, descobri um mundo bem diferente daquilo que eu imaginava e muitas coisas das quais eu não fazia ideia, principalmente na área de cuidados paliativos. Isso me motivou a sonhar um pouco mais alto e sair um pouco fora do comum. A geriatria era uma coisa meio distantepara mim. Não conhecia muito da especialidade. Mas, durante a residência de clínica, resolvi fazer um optativo dentro dessa área. E me encantei pelo dia a dia. E, apesar de ver as dificuldades que um geriatra enfrenta no cuidado do paciente idoso, percebi que poucos médicos faziam aquilo. Não havia muitos médicos para o cuidado do idoso. Daí, eu pensei que essa era a área em que eu precisava atuar, justamente porque havia pouca gente fazendo. Vários colegas falavam: “Você tem todo o perfil de geriatria”. E como eu gosto muito da clínica médica e gosto muito da abordagem integral do paciente, de desafios diagnósticos, de reabilitação e de cuidados integrais, tudo isso me cativou. Tudo aquilo que eu acreditava para a medicina conseguiu se resumir na geriatria.
MDC Revista: Qual é o panorama do envelhecimento da população brasileira?
Haniel: O Brasil vive uma transição demográfica muito rápida: o que diversos países europeus levaram mais de cem anos para conquistar, o Brasil o fez em menos de vinte. Hoje temos mais idosos acima de 60 anos do que jovens até 14 anos. Aquela pirâmide já não pode mais se chamar de pirâmide. A base dela está mais curta, porque tem menos crianças nascendo, o meio dela está um pouco mais alargado e o ápice cada vez maior. Temos uma grande população de idosos acima de 60 que ultrapassa 30 milhões. Não deu tempo de prepararmos para isso. Já conseguimos perceber um gargalo em tudo isso.
MDC Revista: Quais os desafios que o país vai enfrentar com o aumento da população idosa?
Haniel: O Brasil já enfrenta os desafios de ter uma população envelhecida. Podemos ver um reflexo disso sem nem precisar olhar para os dados. Uma população idosa mais engajada, mais ativa no campo da política, da economia, idosos retornando ao mercado de trabalho mesmo depois de aposentados. O idoso de 70 anos de hoje em dia, não é mais aquele idoso de vinte anos atrás. Percebe-se uma mudança de paradigma gigantesca e inúmeras áreas precisam ser adaptadas frente a isso. Os idosos estão aí para ocupar espaços e devemos nos preparar para uma geração mais ativa e engajada na igreja, na política, em todos os campos. Precisamos incluí-los sem etarismo. Creio que esse é o maior desafio atual.
MDC Revista: Qual é o papel da igreja frente a esses desafios?
Haniel: A igreja sempre foi um espaço muito plural e devemos respeitar isso. A existência de diversos momentos dentro da comunidade, como momento para o jovem, momento para o idoso, culto para o idoso, culto para o jovem, culto para o bebê, culto para o adolescente, isso não existe. A nossa forma de cultuar a Deus e a nossa vivência como corpo de Cristo deve incluir gente de todos os tipos, jeitos e idades, principalmente. Então, acolher o idoso, aprender com ele e não segregá-lo. O papel da igreja é, principalmente, dar o apoio, como a Bíblia diz, ao órfão e à viúva, mas acolhê-los não no sentido de “venham aqui e fiquem nesse cantinho que eu não quero saber de vocês”, mas acolhê-los no sentido de incluí-los em tudo que é feito, tendo a paciência necessária para que eles se sintam bem nesse lugar. Não estou dizendo que isso é fácil, tanto que é um desafio para todos nós. Entender isso é compreender o envelhecimento como uma parte da vida, uma parte da jornada, uma parte da caminhada, e não algo a ser evitado ou que é pesaroso.
MDC Revista: Como profissionais de saúde cristãos podem fazer a diferença ao lidar com idosos?
Haniel: O desafio do cuidado integral é mais complexo ainda no idoso. O sistema de saúde caminha para consultas mais rápidas e com menos recursos. O desafio de um cuidado completo é cada vez maior, porque com idosos não dá para basear-se números. Importa mais a qualidade do que a quantidade. Claro que queremos ajudar o maior número de pessoas, e claro que queremos oferecer um cuidado de excelência, mas nem sempre temos essa disponibilidade. O maior desafio para o profissional de saúde cristão é esse: trabalhar de forma integral com o idoso. Isso pode ser minimizado principalmente conhecendo as particularidades do idoso, formas e métodos de comunicação rápidos e resolutivos. A geriatria não existiria se todas as especialidades conseguissem fazer a diferenciação necessária no cuidado do idoso. Claro que existem casos multicomplexos, mas cada profissional tem que saber fazer a sua parte com o idoso.
MDC Revista: Um braço da geriatria é a medicina paliativa. Essa lacuna parece ainda não estar preenchida no Brasil. Por quê? Como avançar nesse segmento?
Haniel: A medicina paliativa sempre foi muito conectada à geriatria. Durante o tempo de residência, nós passávamos por muitos estágios de medicina paliativa, onde abordávamos pacientes não geriátricos justamente porque essa área sempre foi ligada a geriatria. No entanto, nos últimos quinze anos, a medicina paliativa vem se desvinculando da geriatria e cresceu enormemente. Muitas especialidades começaram a entrar nesse ramo, e hoje ela não está mais restrita à geriatria. Ela está mais livre e disseminada, com residências e pós-graduações. Isso tem feito com que tenha essa maior penetração, especialmente em hospitais privados. A chave para o crescimento da medicina paliativa é a disseminação do conhecimento entre as diversas especialidades. O conhecimento só é conhecimento quando é compartilhado, e essa troca tem ajudado a aumentar a visibilidade da área. Hoje, vemos pediatras, cirurgiões e outros especialistas atuando em medicina paliativa, e isso tem sido muito positivo.
MDC Revista: Deixe uma mensagem final àqueles que trabalham ou gostariam de trabalhar com idosos.
Haniel: É fácil fazer aquilo que amamos. Difícil é amar aquilo que fazemos. A geriatria não é algo fácil. Trabalhar com idosos é desafiador. O contato com familiares que não aceitam o processo de envelhecimento ou a finitude da vida pode ser desgastante. No entanto, é importante entender que Deus nos chama para fazer algo relevante, que é ressignificar a vida das pessoas e trazê-las para uma nova esperança. A geriatria é uma área com uma grande necessidade, e quem enxerga essa necessidade tem o chamado para atuar nela. Quando conseguimos ver o valor da vida de um idoso e o impacto que podemos causar, sabemos que estamos no caminho certo. Se você enxerga esse valor, você é necessário nesse campo. E, se você se sente chamado, o espero como colega para trabalhar e impactar vidas no processo do envelhecer.
Entrevista publicada originalmente na edição 006 da revista virtual Médicos de Cristo. Para ler a edição, clique aqui.
Imagem: Unsplash.
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