A despedida

Percepções sobre a graça e a fadiga a partir do Salmo 90

Créditos: Tima Miroshnichenko

Por Délio Porto

Houve um homem que resolveu empreender uma grande aventura. Saiu para uma jornada inusitada, uma viagem difícil, uma aventura louca.

O plano: não pretendia demorar; seria rápido (dois anos, talvez?). O alcance e o destino proposto nesta aventura fariam toda a diferença em sua vida.

Entretanto, algo saiu errado com sua previsão. O tempo e a distância não estavam sob seu controle. O tempo correu ligeiro enquanto o homem havia dado somente alguns passos. De repente, percebeu-se velho, de cabelos brancos, enrugado e decaído. Fatigado. Não havia ainda chegado ao destino final de sua aventura. 

Percebendo que não poderia mais continuar, resolveu que ficaria por ali, pelo caminho. Envelhecera e não conseguiria cruzar o espaço que faltava até o destino final. Mas seus filhos, aqueles que teve durante a jornada, estavam crescidos. Eles poderiam seguir em frente e terminar a jornada. 

Tal homem não carregava mágoas por causa desta situação. Não se tornou rancoroso nem achava que o mundo, ou a vida, lhe deviam algo. Estava em paz.

Ao se ver assim, envelhecido e incapaz de continuar, escreveu um poema falando sobre a graça e a fadiga, sobre a bondade e o declínio, sobre a ligeireza de um sonho e o furor da santidade. Foi com este poema que marcou sua despedida. Pediu a seus filhos que não carregassem seu corpo, mas que levassem consigo um livro com suas memórias. Reuniram seus escritos sob o título “O livro das palavras de Moisés, profeta do Altíssimo”. O poema é o Salmo 90. Neste salmo lê-se, nas últimas linhas, o seu desejo final: “Consolida, meu Deus, consolida a obra de nossas mãos”.

Ele se perguntava: “Será que os meus filhos verão os feitos de Deus? E os filhos dos meus filhos?” Quando levantou as mãos sobre seus filhos, para os abençoar, escreveu: “Sejam manifestos os teus feitos aos teus servos, e aos filhos deles o teu esplendor!” (v.16, NVI).

Pediu ainda que seus filhos fossem alvos da bondade e da graça de Deus: “Esteja sobre nós a bondade do nosso Deus Soberano. Consolida, para nós, a obra de nossas mãos; consolida a obra de nossas mãos!” (v.17).

Tal despedida, antes do final do êxodo, não foi um sinal de derrota, pois ele próprio tinha visto a bondade e a graça de Deus. Porque é graça a permissão para que pessoas comuns participem da obra de Deus. E a obra de Deus é uma só: chamar o seu povo, conduzi-lo ao seu destino e dar-lhe a herança eterna.

“Mas, e a fadiga? E o cansaço de nossas mãos? Haveria um propósito para eles?” Sim, pois se as mãos não param no curso diário da vida, é na fadiga que a graça é experimentada.

“O que será dos nossos filhos? Por acaso verão os feitos de Deus?” A esperança é que vejam. “Há um propósito para a fadiga de nossas mãos?” Sim, porque entregamos a Deus essa obra.

“Em que consiste essa entrega?” Ela é uma atitude interior de expectativa alta e positiva. Na entrega há um pedido feito, uma disposição interior e uma espera na graça.

A vida é efêmera. Os cabelos logo ficam brancos e há tantas fadigas, mas em todo o tempo se manifesta a bondosa atenção de Deus. Essa é a nossa aventura, que um dia, de tão envelhecidos e cansados, deixaremos para nossos filhos.

Délio Porto é engenheiro aposentado e mora em Viçosa

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